Guterres: “As profundezas do oceano não podem se tornar um Velho Oeste”
Discurso do secretário-geral da ONU, António Guterres, para a abertura da Conferência das Nações Unidas sobre o Oceano (UNOC3), em Nice, na França.
Excelentíssimo Senhor Presidente da República sa, Emmanuel Macron,
Excelentíssimo Senhor Presidente da República da Costa Rica, Rodrigo Chaves Robles,
Excelências, queridos amigos e queridas amigas,
Permitam-me começar agradecendo aos nossos anfitriões — os governos da França e da Costa Rica — por organizarem esta Conferência.
E obrigado a todos por estarem aqui, em “Nissa la bella” — cidade de mares azulados e céus límpidos.
Estamos reunidos às margens do Mediterrâneo — um cruzamento de continentes, culturas e comércio.

Um mar que, há milênios, sustenta a vida — e que nos lembra de nossa profunda dependência em relação ao oceano.
O oceano produz metade do oxigênio que respiramos.
Alimenta 3 bilhões de pessoas e sustenta os meios de vida de outras 600 milhões.
A economia dos oceanos mais que dobrou nos últimos 30 anos — e continua crescendo.
O transporte marítimo, por si só, movimenta mais de 80% do comércio mundial.
O oceano é, por excelência, nosso bem comum.
No entanto, estamos falhando com ele.
Os estoques de peixes estão colapsando.
O consumo excessivo e a pesca ilegal estão empurrando espécies marinhas à beira da extinção.
Todos os anos, 23 milhões de toneladas de plástico são despejadas nas águas, sufocando os ecossistemas.
As emissões de carbono provocam a acidificação e o aquecimento dos oceanos — destruindo recifes de coral e acelerando a elevação do nível do mar.
Se não mudarmos de rumo, essa elevação submergirá deltas, destruirá plantações e engolirá litorais — ameaçando a própria sobrevivência de muitas ilhas.
O oceano hoje absorve 90% do excesso de calor retido pelos gases de efeito estufa.
São sintomas de um sistema em crise — que se retroalimenta.
Desestruturando cadeias alimentares. Destruindo meios de subsistência. Aumentando a insegurança.
Essa insegurança é agravada também por forças criminosas: pirataria, tráfico humano, crime organizado e o saque de recursos naturais tiram vidas, atrasam o desenvolvimento e privam as comunidades costeiras de seus direitos.
Senhoras e senhores,
Desde a última Conferência da ONU sobre o Oceano, em Lisboa, vimos avanços.
Também vimos uma crescente consciência sobre a profunda interconexão entre preservar a biodiversidade e os ecossistemas marinhos, combater a mudança climática e conter a poluição.
O Marco Global da Biodiversidade de Kunming-Montreal estabeleceu um compromisso ousado:
Conservar e gerir pelo menos 30% das áreas marinhas e costeiras até 2030.
Os Estados-membros também adotaram o Acordo sobre a Diversidade Biológica Marinha de Áreas Fora da Jurisdição Nacional — um avanço histórico.
Conclamo todas as delegações a ratificarem o acordo — e saúdo as boas notícias anunciadas pelo Presidente Macron, bem como o impulso que esta Conferência está gerando para sua rápida entrada em vigor.
Também apelo a todos os países que concordem, ainda este ano, com um tratado ambicioso e juridicamente vinculante sobre a poluição plástica.
É essencial concluir com sucesso o acordo sobre pesca atualmente em discussão na Organização Mundial do Comércio.
A Organização Marítima Internacional comprometeu-se a alcançar emissões líquidas zero do setor de transporte marítimo até 2050.
E a reunião da Assembleia Geral do ano ado sobre a elevação do nível do mar destacou que a soberania e a condição de Estado não podem ser minadas pela elevação das águas.
Isso demonstra que o multilateralismo funciona — mas apenas se transformarmos palavras em ação.
Elaborando planos nacionais concretos, alinhados às metas globais.
Aproveitando a ciência, impulsionando a inovação e garantindo o justo à tecnologia.
Dando voz e recursos a pescadores, povos indígenas e juventudes.
E, acima de tudo, investindo.
O ODS 14, sobre a vida abaixo da água, continua sendo um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável menos financiados.
Isso precisa mudar — com mais financiamento público, maior apoio dos bancos de desenvolvimento e modelos ousados para destravar o capital privado.
Conclamo todos os países a apresentarem compromissos ambiciosos.
Os Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento precisam de apoio para construir resiliência e prosperar na economia azul.
Muitos ainda enfrentam dificuldades para ar alimentos saudáveis e íveis — evidenciando a urgência de restaurar as pescas locais e fortalecer os sistemas alimentares baseados no oceano.
Também devemos fortalecer a segurança marítima como pilar do desenvolvimento sustentável.
E integrar as prioridades oceânicas nas agendas climática, alimentar e de financiamento sustentável.
Porque sem um oceano saudável, não pode haver um planeta saudável.
Por fim, os países também estão navegando novas águas no tema da mineração em mar profundo:
Apoio o trabalho contínuo da Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos nessa questão crucial.
As profundezas do oceano não podem se tornar um Velho Oeste.

Senhoras e senhores,
Vivemos em tempos de turbulência, mas a determinação que vejo aqui hoje me dá esperança.
Esperança de que podemos virar a maré.
Que podemos ar do saque à proteção.
Da exclusão à equidade.
Da exploração de curto prazo à preservação de longo prazo.
Sabemos que é possível.
Quando impusemos uma moratória global à caça comercial de baleias, as populações se recuperaram.
Quando protegemos áreas marinhas, a vida retorna.
Hoje, temos a oportunidade de restaurar a abundância dos oceanos.
O que foi perdido em uma geração pode retornar em uma geração.
O oceano dos nossos anteados — vibrante de vida e diversidade — pode ser mais que uma lenda.
Pode ser o nosso legado.
Desejo a todos uma Conferência bem-sucedida.
Muito obrigado.
Para saber mais, acompanhe a cobertura da ONU News em português e visite a página especial da ONU Brasil sobre a #UNOC3.
Discurso de
